quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Perplexidades causadas pelos escândalos recentes e não só

Uma das razões porque tenha andado mais “silencioso” deve-se à desinspiração. Para este estado contribuiu um certo grau de perplexidade originado no fim-de-semana passado. Descobri um blog que falava do Climagate. Nunca tinha ouvido falar deste assunto, mas, por um lado, ando um pouco alheio aos noticiários, por outro, parece que isto é escândalo recente.

A minha perplexidade assume contornos de choque. Pergunto-me: mas afinal existem alterações climatéricas causadas pelo Homem, ou não? Se não podemos confiar no que os cientistas afirmam, então não podemos acreditar em ninguém. Ao perceber isto, constato outra coisa: vivo num mudo do lálálá. Por natureza sou crédulo e sempre, sempre, acreditei que haviam certas informações que me eram transmitidas e que podia confiar que eram correctas. Eu sempre achei que o que os professores me ensinavam era verdade, sobretudo no que diz respeito à ciência. Se me disseram que a poluição estava a destruir o planeta, eu acreditei. Quando saí da escola, continuei a acreditar no que os cientista diziam. E agora vejo que eles têm coragem de adulterar dados para condicionar a opinião pública e política mundial. É como se o meu mundo ruísse.

Como é que cheguei a este ponto? Como é que a civilização ocidental chegou a este ponto? Será este mais um tijolo do edifício do relativismo teorizado no início do século XX? Tudo é relativo. Não há faróis neste noite escura e as luzes que vêmos desorientam. Não podemos confiar na política, na justiça e agora na ciência. Quem não é político é enganado por eles. Quem não é doutorado em Direito e nas leis, é enganado, preso ou destruido. Que não estuda ciência é enganado e manipulado.

Atenção. Eu não endeusava estas áreas, pelo menos conscientemente, mas tinha a justiça e a ciência como referencias de estabilidade e credibilidade. Bem diz o Alma Peregrina num texto recente que o Homem é por natureza tendente para o Mal. De onde vem, então, esta ideia que estas áreas eram credíveis? A minha resposta é: dos séculos anteriores onde o Positivismo e outras correntes deste género formaram o pensamento da sociedade. Antes sabia-se que o Homem tendia para o Mal, agora o Homem é a medida de todas as coisas, é o centro e o motor da História. E assim acabamos por viver numa confusão total.

Tenho duas amigas, que não se conhecem, mas que acabam por afirmar o mesmo. Uma diz muitas vezes que queria ir viver para uma pequena casa de xisto numa larga rua. A outra disse-me hoje que queira ir para um bunker. Eu vejo-me forçado a desejar ir viver para um ermo (ermitério ou num local afastado), pois não me sinto bem a viver num mundo onde a mentira é a norma.

Por favor, quero ter uma vida tranquila sem estar sempre a estudar e a preocupar-me sobre se o que me é dito é verdade, se está correcto ou se estão a querer manipular-me! Não suporto uma constante desconfiança. Não tenho paciência para alimentar teorias da conspiração. Até porque acho que tudo isto é desperdício de energias. Quando me falam de uma entidade chamada “eles” que governam o mundo, que conspiram e procuram criar uma ditadura universal, penso que caso existam (e tenho dúvidas) não escaparão ao julgamento divino, que no fim o Calvário, a Cruz e a consequente Ressurreição prevalecerão. Os seus esforços serão infrutíferos. A minha fé diz-me que no fim será a vontade de Deus a prevalecer. Se esta gente toda anda com maquinações, conspirações e tramóias, o seu pecado não ficará impune.

Aqui ficam os blogues que originaram em mim esta reflexão:
http://citadino.blogspot.com/

5 comentários:

Alma peregrina disse...

Caro amigo Reino Imperfeito:

Aproveitando para agradecer a sua citação, penso poder contribuir alguma coisa para o esclarecer. Embora a minha área seja a biologia e não a climatologia (da qual os meus conhecimentos são, provavelmente, tão leigos como os seus), penso que os meus conhecimentos sobre Ciência (ou sobre como a Ciência opera) poderão aclarar algumas das suas perplexidades.

De facto, não me parece que você tenha razão quando afirma que a ideia da Ciência como área credível provenha do Positivismo… a ideia de que a Ciência é uma área credível deriva da Idade Média, encontrando-se na esteira de grandes pensadores/cientistas como o Frade Roger Bacon, o Papa João XXI, Sto. Alberto Magno ou S. Tomás de Aquino. O que deriva do Positivismo é, outrossim, o endeusamento da Ciência (que você refere no seu post).

Mas há ainda um outro factor que você não levou em consideração… é que mesmo o endeusamento positivista da Ciência encontra-se obsoleto. É que a Ciência de hoje é radicalmente diferente da Ciência do tempo do Positivismo. As pessoas que endeusam a Ciência com base em axiomas positivistas deviam ter em atenção esta mudança drástica na praxis científica.

O que mudou? Nos tempos do Positivismo ainda se procurava, grosso modo, provar uma causalidade, ou seja, provar empiricamente que um dado efeito era provocado por uma dada causa. Para tal realizavam-se experiências que comprovavam essa causalidade. Nesse sentido, a Ciência era muito exacta e reprodutível.

Na Modernidade, o Homem compreendeu que essa forma de exercer a Ciência é artificial. Porque os efeitos na Natureza geralmente derivam de múltiplas causas (chama-se a isso “multifactorialidade”). Assim sendo, provar uma relação causa-efeito acaba por não ter correspondência com a realidade, uma vez que aquela causa provada em laboratório pode ter um impacto negligenciável na vida real.
Deste modo, a Ciência Moderna não procura “causas”, mas “associações”. O que o cientista moderno faz é verificar que um dado fenómeno se associa a um outro, estabelecendo-se um nexo de causalidade entre ambos. Para verificar se uma associação é ou não existente, o cientista moderno socorre-se da Estatística. Por exemplo, se um medicamento cura 90% dos casos de uma dada doença, então é provável que esse medicamento seja uma causa da cura dessa doença.

Tudo isto parece muito bem… só que a Estatística é ainda mais falível do que a Ciência medieval e positivista. É muito fácil manipular a Estatística. E não é necessário recorrer ao falseamento de dados. Por exemplo, podemos pura e simplesmente usar de uma desculpa para ignorar dados que são inconvenientes (e é sempre possível encontrar essas desculpas… por exemplo, há estudos que avaliam o impacto da adopção de crianças por “casais” homossexuais não em relação a crianças adoptadas por casais heterossexuais, mas em relação a crianças adoptadas por pais e mães solteiros, uma vez que aí a comparação seria mais justa porque aí a criança estaria sempre a ser criada apenas por um sexo… o que é perfeitamente absurdo porque o que se pretende é mesmo comparar “casais” homossexuais com casais heterossexuais). Outra forma é introduzir uma série de viéses que orientam as estatísticas no sentido que queremos imprimir-lhes (é muito fácil provar que a maioria dos portugueses é sportinguista… basta fazer um inquérito à saída do Estádio de Alvalade). Às vezes, basta mudarmos o tipo de testes estatísticos que aplicamos aos dados para obtermos resultados diferentes. É muito fácil fazer com que os nossos dados batam certo com conclusões pré-determinadas, basta saber um pouco de Estatística.

Isto retira alguma credibilidade à Ciência? Não, de todo. Porque geralmente os cientistas estão mais preocupados em procurar a Verdade por detrás dos dados do que em criar as suas próprias verdades. Nesse sentido, é muito provável que o tratamento estatístico dos dados tenha sido justo e racional, livre de enviesamento.

Alma peregrina disse...

Tudo isto é alterado com a presença de interesses ideológicos e económicos. A partir do momento em que um cientista se propõe a provar uma hipótese científica subordinada a patrocinadores, toda a sua objectividade desaparece (por vezes até de uma forma inconsciente). Os viéses começam a suceder-se. É por isso que, nas publicações científicas, o cientista é forçado a declarar se possui interesses associados à publicação daquele trabalho. É por isso que devemos ter sempre um cepticismo saudável acerca de estudos sobre 1) o tabagismo realizados pela indústria tabaqueira, 2) medicamentos realizados pela indústria farmacêutica ou 3) a sexualidade realizados pelas associações de planeamento familiar.

E aqui, precisamente neste ponto, começa a surgir uma gritante ironia. O endeusamento da Ciência pelo Positivismo fez com que a Ciência fosse considerada o critério de objectividade (que, em certa medida, o é de facto). Portanto, a única forma de tomar decisões objectivas é tomá-las à luz do conhecimento científico. Por isso mesmo, os poderes políticos, económicos e ideológicos começaram a exigir produções científicas que sustentassem as suas teses. Deste modo, a Ciência passou a estar subordinada a critérios ideológicos e económicos particulares que, como eu já disse, introduzem o viés na investigação científica.

Eu aprendo com a História. O cesaropapismo quase matou a religião cristã. Temo que o cesarocientismo possa muito bem matar a Ciência. Mas isso não torna nem o Cristianismo nem a Ciência intrinsecamente malignos ou mentirosos.

Por isso, o que eu lhe aconselho vivamente é que você deverá manter um cepticismo saudável também em relação a temas científicos altamente politizados. Quer por aqueles que são “a favor” quer por aqueles que são “contra”. Refiro-me ao aquecimento global, à homossexualidade, ao crescimento populacional, etc…

Digo isto, porque é necessário purificar a Ciência de se imiscuir em áreas onde ela, claramente, não pertence. Deste modo, o erro da Igreja Católica em relação a Galileo foi achar que a Ciência se podia imiscuir na Religião. Mas devemos extrapolar isto ainda mais além. A Ciência também não se deve imiscuir na Política desta forma, deve ser distante da Política, deve ser independente dela. É claro que a Ciência pode informar as decisões políticas, tal como a Ciência pode informar teses teológicas da Religião. Mas não se pode considerar que há políticas científicas, tal como não há religiões científicas. De igual modo, não se pode considerar que a Ciência pode provar alguma coisa sobre Política, tal como a Ciência não pode provar coisa alguma sobre Religião (esse é o erro em que caem os Dawkins e outros neo-ateus que, desta forma, desfiguram a mesma Ciência que endeusam). A Política é sempre uma decisão ética que tem como base uma hierarquia de valores subjectiva. E a Ciência é eticamente neutra (a energia nuclear tanto pode ser usada para produzir centrais eléctricas como bombas).

Deste modo as políticas relativas ao aquecimento global, à homossexualidade, ao crescimento populacional, etc… são políticas que, diga-se o que se disser, são baseadas na Ética e muito pouco na Ciência. Deste modo, tudo depende da Ética que se esteja a considerar. Por isso, eu apoio a Cimeira de Copenhaga por causa da sua ética e não por causa da sua ciência…

Não sei se há aquecimento global antropogénico. Mas sei que a poluição é um fenómeno prejudicial para o Homem e para a Natureza da qual o Homem depende. Sei que os combustíveis fósseis são recursos não-renováveis e que devemos procurar novas formas de energia antes que estes se esgotem. Sei que as alternativas ecológicas geralmente são mais baratas. E sei que é possível que o aquecimento global possa ser provocado pela espécie humana (e, mesmo que não o tenha sido até agora, não há garantias de que não o seja no futuro).

Alma peregrina disse...

A minha Ética é uma ética cristã que coloca o Homem como o centro dessa mesma ética, dotado de uma dignidade infinita que lhe é conferida por ser imagem e semelhança do próprio Deus. Para salvaguardar o Homem dos efeitos perniciosos da poluição (mesmo que estes não sejam apocalípticos) penso que será benéfico reduzirmos as nossas emissões de CO2. Errar pelo lado da prudência.

Ora, esta mesma Ética obriga-me também a refutar uma série de fanatismos ecológicos que visam atentar contra a dignidade humana na mesma escala que os fanatismos capitalistas e tecnológicos. Deste modo, embora eu possa ser favorável a uma série de medidas custo-efectivas e despoluidoras tendentes a reduzir as emissões de CO2…
… eu recuso-me a apoiar medidas como as de 1) usar alimentos como combustível em vez de alimentar pessoas famintas (é o caso do biodiesel), 2) implementar políticas de redução populacional, 3) limitar o desenvolvimento de países pobres para não os deixar aumentar as emissões de CO2.


Está a ver? Eu não precisei de saber Ciência alguma para tomar estas decisões. Foram decisões éticas e bem fundamentadas (diria quase, decisões objectivas ou, pelo menos, razoáveis). E, ao soltar a Ciência do meu jugo ideológico, eu deixo a Ciência livre para que ela descubra a Verdade acerca do aquecimento global.

Alma peregrina disse...

Agora, em relação ao aquecimento global há algumas achegas que eu quero dar. Em primeiro lugar, não penso que possuamos dados suficientes para tirar uma conclusão definitiva. Os nossos registos são ainda bastante recentes, pelo que é bastante fácil associar qualquer alteração climática à actividade humana (que foi sempre crescente no período considerado).

Por outro lado, há a tendência para o apocalipticismo das pessoas. Por algum motivo psicológico obscuro, o Homem sente-se fascinado pelo Fim do Mundo. Deve ser alguma generalização mórbida da turba que se junta em redor de um acidente rodoviário. A questão é que, desde a Idade Média, tem havido uma série de profetas do fim do mundo… que acabaram por evoluir para cientistas na era moderna. Por isso, o Mundo já esteve prestes a ser destruído várias vezes pelas hipóteses científicas da moda. Havia a “bomba populacional” da década 1960, o buraco do ozono dos anos 1980, o bug do milénio em 2000, as gripes H5N1 e H1N1… e o aquecimento global. Por isso, o meu caro amigo deverá sempre desconfiar quando alguém lhe pretende vender o Fim do Mundo (é por isso que a Igreja Católica me atrai, ela não é apocalíptica apesar de venerar um livro chamado Apocalipse). Lembre-se de que “ninguém sabe o dia nem a hora” (Mc 13:32). O Homo sapiens sapiens sobreviveu a uma era glaciar com muito menos recursos e tecnologia do que hoje.

Os media aproveitam-se do sensacionalismo provocado por este interesse mórbido pelos apocalipses e empolam todas as descobertas científicas que possam ser interpretadas nesse sentido. É daí que veio a ideia de que o H1N1 ia matar toda a gente, quando a OMS sempre tratou o problema com a maior serenidade… Os media não são bons lugares para aprender Ciência. Se houver alguma descoberta científica que lhe interesse e que tenha ouvido na rádio ou na televisão, vá confirmar isso em revistas científicas credíveis da especialidade.

Há um consenso científico em torno do aquecimento global antropogénico. Mas o problema é que não há consensos em Ciência. A Ciência não possui uma ortodoxia. Muitas vezes, as maiores descobertas científicas são efectuadas por quem destoa do consenso da comunidade científica.
Por outro lado, há sempre conspiracionistas que desconfiam de qualquer coisa. Há pessoas que negam o Holocausto ou que negam que foram terroristas islâmicos os responsáveis pelos atentados do 9/11 ou que negam que o Homem foi à Lua. Portanto, sempre haverá quem negue o aquecimento global antropogénico. Isso não prova nada também.


Acho muito estranho que os e-mails pirateados tenham sido publicados tão perto da Cimeira de Copenhaga. Isso faz-me desconfiar. Por outro lado, também acho muito estranho que os dados (raw data) da IPCC tenham sido destruídos… e estranho atitudes de altos dignitários da ONU na Cimeira de Copenhaga como as deste vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=l40Hj9iDT6A


Enfim… não sei se ajudei o meu caro amigo a sentir-se mais elucidado ou se ainda o pus mais cínico. Procurei dar-lhe aquilo que é da minha experiência. Pela minha parte, não meto a Ciência ao barulho. A minha ética cristã antropocêntrica basta-me para formar a minha opinião. De resto, essa é a única resposta que tenho para lhe oferecer… fora disso, não tenho respostas…

Pax Christi

jota disse...

Alma peregrina, dou por bem empregue o tempo que levei a ler os seus comtentários na minha hora de trabalho. Agradeço muito esta reflexão e vou pensar nela.

Assim a quente percebo que me falta essa ética cristã solidificada. Sou muito influenciado pela informação que me chega porque tenho dificuldade em processá-la rapidamente. Acho que é da minha natureza não conseguir formular uma opinião coerente sobre qualquer assunto. É por isso que digo que não tenho opiniões e quando tenho estou errado. É um exagero, mas tem algo de verdade.

Mas chega de falar de mim.

Ultimamente tenho chegado a uma conclusão sobre as teorias da conspiração. Tenho usado a minha frágil ética cristã para pensar nesse assunto e começo a não acreditar em tudo sem questionar (acho que aflorei isso no meu texto). Obrigado pelo incentivo a continuar nesta linha.

Mais uma vez, muito obrigado pelos comentários.

j