sábado, 26 de dezembro de 2009

Lar

Como se pode ve pelo texto anterior, não tenho motivos para andar alegre. Hoje de tarde (estou a escrever na noite do dia 25, embora só publique no sábado), eram quatro da tarde, olhei para fora e vi o céu tapado de nuvens. Esteve assim o dia todo. O dia andou escuro por causa disso.

Sabem, há uma parte de mim que gosta deste tempo. Faz-me imaginar que estou no norte da Europa. Escandinávia. Alemanha. Islândia. E porquê que desejo estar nesses sítios? Porque ingenuamente associo essas regiões a lugares onde se vive bem. Este viver bem está relacionado com o conceito de lar. Na minha vida poucas vezes tenho tido essa sensação. Mesmo nesta casa sinto-me em casa. Há tanto neste sítio do qual eu gostaria de fugir...

Na minha vida vivi em quatro casas. Só aos dezanove anos é que tive o meu primeiro quarto. Vivi até aos oito numa pequena casa só com o quarto dos meus pais, uma sala onde dormi algumas vezes, cozinha e casa de banho. Essa casa era muito húmida e ia dando cabo dos meus pulmões. Andei depois anos a tomar a vacina para a gripe por causa da bronquite que desenvolvi lá.

Por causa da bronquite mudámos de casa. Um tio meu, irmão da minha mãe, vivia numa casa no centro de Lisboa com muito espaço. Saímos de Caneças para a rua de São Lázaro, perto do Hospital de São José. O andar era enorme. Ficámos com duas divisões e um pequeno corredor. Tínhamos também uma porta para a escada. Era uma doce ilusão de independência do restante andar. A cozinha ficou a ocupar uma divisão e na outra fizemos os nossos quartos. Cortinados e o guarda-fatos foram as nossas paredes. Vivi ali dos oito aos dezanove. Não tínhamos casa de banho. Para ir à sanita, passávamos pela cozinha dos meus tios. Não tínhamos esgotos. Tomava banho num alguidar. Despejávamos todas as águas na sanita. Ganhei alguns belos traumas e manias naquelas condições. Não me lembro de termos passado alguma consoada juntos com os meus tios, com a minha prima (também madrinha de baptismo), marido e filhos. Talvez no início. Não sei de quem foi a culpa. O meu nono aniversário teve festa. Não me lembro de ter havido outro. Algum tempo depois morreu o meu tio. Isso também não ajudou a que criássemos laços. Sempre me senti um intruso. Com a adolescência acabei por afastar-me. Mas não vou falar hoje da minha não-relação com a minha madrinha.

Depois de muito sofrimento lá conseguimos arranjar uma casa. Foi na mesma rua, um pouco mais a baixo. Era antiga. Mas tive pela primeira vez um quarto só para mim. Infelizmente grande parte do tempo que passei naquela casa andei turbulentamente vivendo a depressão do final da adolescência. Vivi-a até mais tarde que a maioria das pessoas. Tenho a teoria que durante muito tempo fiquei congelado nos oito anos. Até essa idade tive uma vida normal. Depois vivi numa casa que me congelou no tempo. Deixei de ter amigos, daqueles de rua que tinha em Caneças. Em Lisboa não podia brincar na rua. É claro isso livrou-me de vários problemas. Nunca fumei. Nunca andei em drogas. Mas não há garantia que em Caneças isso acontecesse. Também não há garantias que escapasse. O que sei é que a minha vida social ficou congelada até à altura em que comecei a trabalhar. Estou convencido disso e de que perdi a oportunidade de ter uma vida normal, de ter vida amorosa, talvez sexual, como qualquer jovem da minha idade. É claro que a minha maneira de ser tem bastante responsabilidade, mas o meio envolvente também influenciou.

Saí daquela casa sete anos depois. A casa começou a rachar toda. A Câmara, que era a dona da casa, determinou o nosso realojamento e vim parar aqui onde estou. A mudança foi dolorosa. Fomos muito estúpidos. Viemos para uma zona muito melhor. Os Olivais são uma zona da cidade com uma qualidade de vida muito superior. Só o verde que por aqui há supera a variedade de comércio da Baixa. Actualmente pouco vou lá. Temos tudo o que precisamos por aqui. O apartamento é mais pequeno, mas está em muito melhores condições. Tenho um bom quarto.

Mas falta-me algo. Sei que é psicológico. Muitas vezes chego a casa e não me sinto no meu lar. Falta aquele aconchego, aquele calor, que imagino que exista nos lares. Como a minha mãe não gosta de aquecedores, vivemos com o calor que não escapa pelas janelas, paredes e tudo mais. Andamos cheios de roupa.

O meu lar imaginário tem calor em casa, ando à vontade com um pijama normal e não tenho frio. Também imagino uma esposa e filhos. Imagino que tenho um pequeno escritório onde escrevo os meus romances. Imagino espera pelo jantar e ter os meus filhos sentados no meu colo, conversamos, rezamos juntos.

Acho que não sonho muito alto. Aí sim, seria bom ter lá fora a chuva a cair. Agora quando chove lá fora, sinto saudades do futuro... desse futuro que provavelmente só vive na minha imaginação.

2 comentários:

Canela disse...

"O que sei é que a minha vida social ficou congelada até à altura em que comecei a trabalhar"

Descongele-a!
Aos poucos, sem pressas, sem traumas, sem ansiedades ou angustias.

Convide um/ uma colega para um café/ chá/ um petisco no final da tarde/ um filme que irá estrear/ lançamento de um livro na fnac, etc.

Desculpe. Lá estou eu outra vez...

jota disse...

Esteja à vontade :)

Este meu reino pode ser imperfeito e frio, mas está aberto aos conselhos e opiniões.

Nada é em vão.