quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Separar as águas

Pegando no tema do momento: a parva e eficaz operação de marketing do Saramago, vou tentar separar as águas. Em primeiro lugar é quase sagrada a liberdade de expressão, opinião para mim. Ninguém deve ser proibido de pensar e dizer o que pensa, mesmo que seja a maior idiotice (tal é o caso do nosso Nobel). Se alguém abusa da liberdade deve assumir as consequências. Quando ofende alguém, deve pedir desculpa ou sujeitar-se a um processo judicial. Se o caso não for de tribunal, a consequência terá que aceitar a reacção dos visados.

A minha reacção ao senhor José Saramago é dizer que o digníssimo senhor está enganado, equivocado e influenciado pelos seus medos, pré-conceitos, cego pela certeza da sua verdade, que só por teimosia é que não reconhece que é parcial e por isso sujeita ao erro. O digníssimo Nobel não tem idade, figura, feitio e talvez energia para infantilidades, para se armar em enfant terrible. Os livros dele não precisam de qualquer publicidade. Nem precisavam de mudar de grafismo da capa (prefiro o anterior). Enfim, fica mais uma vez à mostra o mau feitio e mau íntimo do senhor.

(Por outro lado, o senhor pode estar a ter uma crise de fé no seu ateísmo e estar a lutar, a estrebuchar, contra a evidência que afinal Deus existe. Para alguém tão fanático numa fé, ter uma crise pode ser motivo para ser mais fanático ainda. Tenho uma amiga que disse na cara dele que ele não era ateu, mas herege. Para ela não é possível haver ateus. Pois se não têm fé numa figura àquela chamam deus, têm fé em alguma coisa. No presente caso parece ser fé no ateísmo.)

No entanto, nada disso me vai deixar de apreciar alguns dos seus livros que já li. Talvez não leia, tão cedo, nenhum dos que ainda faltam ler, mas não quero misturar a obra com o autor. Mesmo se o autor o queira fazer. Há livros que gosto mais e outros que gosto menos. Há livros para todos os gostos, na minha opinião.

Gosto da História do Cerco de Lisboa, Todos os Nomes, O Ano da Morte de Ricardo Reis. Estes são os meus preferidos. Li há anos o Ensaio Sobre a Cegueira e lembro-me de ter gostado, mas não o suficiente para comprar. Não desgostei da Jangada de Pedra, tentei relê-la no início deste ano, mas fiquei pelo caminho, outros livros surgiram mais interessantes. Não achei o Memorial do Convento assim tão espectacular como muitos. Pode ser que tenha sido por causa da edição que comprei, tinha a letra muito pequena e tive muitas vezes dor de cabeça nessa época. Tenho A Caverna e o Ensaio Sobre a Lucidez. Li ambos, mas não me tocaram. Os últimos livros deixaram-me de interessar.

A forma de ele escrever não me incomoda em nada. Tem altura de humor, coisa que para quem olha para figura do senhor não consegue adivinhar. Tem um discurso fluido, muito semelhante àquele estereótipo de pessoa idosa da aldeia que vai contando uma história aparentemente curta, mas que alonga com apartes, considerações, alusões a outras histórias, mas nunca se perde. O Saramago escritor faz isso. Detalha o pormenor e é muito inventivo. Escreve simples, mas aparenta ser muito complicado.

Gosto do Saramago escritor. Evito quando o escritor escreve sobre Deus, Religião e Fé. Não gosto do Saramago cidadão. Há que separar as águas. Da mesma forma gosto bastante da música do Wagner e não aprecio a filosofia que ele defendeu e mesmo o seu feitio. Gosto da música do Paganini, mas nem quero saber se ele fez mesmo um pacto com o Diabo ou não.

A obra é a obra, o homem é o homem. Por mais que o homem derrame a sua essência na obra, acredito que a obra acabará por ser o melhor que ele fez. E tal como para o contacto com a Bíblia é preciso contextualizar, interpretar e ponderar bem o que está lá escrito, para o contacto com a obra de um qualquer artista temos que fazer o mesmo.

Como nota final. Não me sinto nada atingido com a acusação de que os católicos não lêem a Bíblia. Não sei bem há quanto tempo, talvez cinco ou seis anos, que ando a ler um capítulo por dia da Bíblia. Já deu para lê-la toda uma vez e neste momento já ter relido uns dois terços. Comecei com os Evangelhos e restante Novo testamento. Depois peguei no Antigo. Actualmente estou no livro de Eclesiates (ou Qohélet como agora chamam). Tenho pena que ninguém das minhas relações queira seguir-me...

2 comentários:

Alma peregrina disse...

Olá, meu caro amigo.

Admiro a sua coragem em conseguir ler Saramago... eu apenas consegui chegar ao fim da Caverna. Tentei ler o Memorial do Convento ou o Ano da Morte de Ricardo Reis... mas fiquei a meio. Não gosto do autor, mesmo enquanto artista. O que não significa que não lhe atribua mérito literário.



Quanto à polémica, penso que será possível utilizar esta estratégia de marketing de Saramago para fazer também uma operação de marketing a Deus.

Por isso, publiquei este post.

http://cronicasdeumaperegrinacao.blogspot.com/2009/10/o-deus-do-amor-e-o-odio-de-saramago.html



Pax Christi

jota disse...

Obrigado Alma, pela visita.

Também já li o seu texto e gostei bastante dele. Só por timidez é que não deixei lá um comentário.