sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Uma longa, longa mensagem de Natal

Tenho andado com pouca disposição para a escrita, tanto aqui como nos meus projectos. Isto de andar a tirar aulas de treino de condução, mais as preocupações que isso acarreta, mais o final da convalescença da operação, mais o frio e a chuva, tudo isto e inércia inata afastaram-me das palavras e das frases. A escrita não é uma actividade natural no ser humano. O desejo que comunicação, sim. O problema é que esse desejo tem andado adormecido.

Apesar de não ter escrito, tenho pensado (é capaz de ser presunção minha dizer reflectido) sobre alguns assuntos. Aviso já que não cheguei a nenhuma conclusão. O meu pensamento (raciocínio/reflexão) não chega a tanto. Tal é a minha confusão mental que nem sei por onde começar.

Começo talvez por algo que me tocou com intensidade. A instrutora de condução disse-me esta semana que eu sou demasiado exigente comigo próprio. Na altura neguei, mas bem vistas as coisas acho que tem razão. Estou a ter estas aulas por necessidade, quero rapidamente aprender e fazer tudo bem logo. Ao perceber que o meu corpo não acompanha a aprendizagem intelectual duas coisas aconteceram: uma machadada violenta no meu ego, pois estava convencido que conseguia aprender qualquer coisa, mesmo sendo difícil; por outro lado senti-me mais tranquilo, vai levar tempo, mas chegarei lá (na altura em que ela disse-me isto eu andava um pouco em baixo porque só via os erros que fazia e não a evolução).

Ao longo das aulas fui passando por vários estados de alma: frustração, pânico, descrença, cepticismo, resignação, esperança, alívio, nervosismo, sempre e sempre o medo de errar, de causar acidentes. Nos primeiros dias a minha condução parecia de um alcoolizado. Agora não é tanto, mas direcção continua a ser um problema. Como é que é possível numa recta eu andar aos esses? Estará o mundo alcoolizado e ninguém me disse? O estado de alma actual é resignação à minha insignificância e esperança em conseguir chegar a bom porto neste empreendimento, mesmo que me custe muitas mais aulas do que estava previsto.

Este tem sido um dos temas da minha meditação (se há sinónimos ou aparentados, porque não usar?). Tem-me levado a pensar sobre a forma como me olho e quem sou. Outro tema, está relacionado com a minha personalidade, é sobre o Natal e a alegria. Como viver o Natal? O que é o Natal? O que é para um cristão o Natal? O Advento e o tempo depois propriamente chamado de Natal? Descobri que olhando em redor o Natal que vejo e acabo por viver deprime-me. Não consigo sentir-me alegre por decreto, por marca no calendário, porque os outros estão alegres.

Uma bandeira do Natal na sociedade é a família. Olho para a minha e o que vejo? Doença, sofrimento, solidão. Onde está a alegria? O meu pai ou está alucinado querendo voltar para a casa de infância (este estado pode durar em média dois dias e duas noites, sem dormir, sempre querendo ir embora e no ponto mais activo procurado a porta para ir embora) ou está cansado e dormente não querendo sair do sítio onde está. A minha mãe oscila entre o choro, a irritação com a não colaboração do meu pai, o desgosto sempre presente por causa da solidão, das canseiras e dos achaques que também tem. Eu no meio disto oscilo entre a distância que tento manter para preservar alguma lucidez ou a entrada num turbilhão de emoções (raiva, irritação, raiva e mais raiva, impotência, solidão, muita solidão). Persegue-me o fantasma de um dia herdar a mesma doença do meu pai. Tento mentalizar-me que viverei muita solidão no futuro, como sobreviverei a isto? Se não fosse a minha pouca fé, estaria bem arranjado. Provavelmente entraria para as estatísticas do suicídio.

Voltando à meditação: neste cenário onde está a alegria? Acrescento mais uma peça: a minha personalidade melancólica. O que fazer com ela perante esta necessidade de alegria? Sim, porque Jesus disse que nos quer alegres, porque afinal não temos que temer nada. Eu sou melancólico, não há nada a fazer sem violentar a minha natureza, não é? Posso ser alegre e melancólico? Triste? Só vejo uma saída: todos os meus pressupostos estão errados. O que é então a alegria cristã? Será o estado de espírito de elevação? Tem que ser algo mais. Não pode ser um sentimento, pois há pessoas propensas a uns e outras a outros. Ser alegre deve ser uma atitude perante a realidade. Será isso? Viver melancolicamente com uma atitude positiva. Parece-me uma boa meta a atingir. Não consigo andar sempre com o coração a transbordar de bom-humor, de exaltação, nem com um sorriso rasgado desde o acordar até ao deitar, nem rir ou ser a animação de uma festa.

Há dois aspectos da alegria que em faltam e fazem falta: paz interior e entrega. Quando vivo na rotina, sem preocupações, é-me fácil ser alegre, mas isto parece-me bastante egoísta. Sim, egoísta porque vivo fechado na rotina, fechado à novidade, instalado. Lamento admitir, mas dou-me pouco. São poucas as vezes em que me abrir aos outros e entreguei-me, fiz o Bem. Este lado negro desgosta-me e podem bem dizer: “ora, muda a tua atitude”. É fácil dizer, mas muito difícil fazer. Pelo menos para mim. Quando penso nestas coisas tenho dúvidas sobre se tenho realmente fé, se sou cristão sequer. Aqui lembro-me de um diálogo no livro Harry Potter e Câmara dos Segredos. O Harry questiona-se sobre se ele não estará destinado a ser um feiticeiro mau, porque tem muitas semelhanças com o Voldemort. O Director pergunta-lhe sobre o que o Chapéu Seleccionador lhe disse no primeiro ano, quando atribuiu as casas onde os alunos iam estar. O Harry disse que pedira ao Chapéu para o pôr nos Griffindor, apesar de ele ter todas a qualidade para ir para a casa conotada com os feiticeiros maus. O Chapéu fez-lhe a vontade. O Director disse-lhe que o que faz uma pessoa não são as suas características, habilidade, virtudes, mas sim as suas decisões. Eu decido-me por ser cristão, católico, apesar de não ver em mim qualidades necessárias. Insisto. Persevero. Faço caminho.

Na terça-feira coloquei no Facebook uma questão: porquê que se celebra o Natal? Só tive um comentário. É justo, a nível humano, se não participo no que os outros dizem ou fazem, porquê esperar uma reacção diferente comigo? Depois dei a minha resposta e ninguém mostrou qualquer reacção. O Natal celebra-se porque Jesus ressuscitou. O Natal está dependente da Páscoa. Sem a Páscoa o Natal não tem sentido. A alegria e esperança natalícias estão relacionadas com a ressurreição de Jesus. Celebramos o nascimento do nosso salvador, de quem nos está a ajudar a vencer a morte, o sofrimento e a atingir a felicidade.

Há uma atitude (chamar-se-á alegria?) a ter que sei intelectualmente, mas tenho dificuldades em tê-la em prática. Tudo depende do nosso olhar. Não há sofrimento. Sofremos porque o nosso olhar não está focado no Além. Se tivéssemos a atitude que Jesus teve no Calvário e na Cruz, de abandono e confiança, não sofreríamos. Porquê que não dou um sentido ao estado da minha família? À doença do meu pai? Porquê que não vejo as suas implicações e manias como um exercício necessário para crescer? Porquê que me deixo tocar pela raiva quando ele urina para o chão em vez de o fazer na sanita? Porquê que desespero perante o chora da minha mãe quando ele anda de janela em janela, porta em porta para ir embora?

Às vezes digo no escuro que é por amor que aguento isto tudo. É por amor que abdico de formar família, de ter uma juventude normal com amigos, saídas à noite, festas e convívio. Mas à luz do dia olho para mim e para a minha vida e vejo que não abdiquei de nada. Não abdiquei porque nada escolhi. Vivo assim porque é-me confortável viver assim. Vivo com os meus pais porque não me vejo a viver longe deles. Protegem-me e protejo-os. É por amor e comodismo. É por amor e medo de sair da rotina.

Então o que será alegria numa pessoa melancólica? Deve ser o mesmo que em alguém alegre: entrega e sentido para a vida. Nesta definição: serei alegre? Acho que não. Entrego-me pouco, pelo menos no sentido do relacionamento com as outras pessoas. (ouço algures no meu cérebro a voz da minha instrutora de condução: lá estás tu a ser demasiado exigente contigo próprio).

Sabem uma coisa? Não devia sentir-me triste por não ser como as outras pessoas. Não sou uma pessoa expansiva no contacto social. Não vejo a realidade da mesma forma. Isso vai trazer-me dissabores? Vai, mas mantendo-me como sou uma coisa é certa, estarei a cumprir o que Deus sonhou para mim. Quem sabe se estas deambulações melancólicas, depressivas não ajudarão alguém a ser mais autêntico e a voltar ao plano de Deus?

No Facebook disse: não dêem presentes, meus amigos, sejam presentes na vida dos outros e assim Jesus estará presente na vida deles. A quem leu isto até aqui um muito obrigado e recebam os meus votos de um Santo Natal. Desejo que sejas Jesus presente no local onde estás.

Boas festas

P.S. Fico sempre com a sensação que não disse tudo, mas isto já vai muito longo.

1 comentário:

Cristina Torrão disse...

Amigo Jota, o facto de a sua instrutora de condução lhe dizer que não seja tão exigente consigo próprio, fez-me lembrar uma frase de Donald Kennedy, que li há pouco tempo: "Um grande número de pessoas desiludidas permanecem na esquina, à espera do autocarro que tem, como destino, a palavra 'perfeição'."
Não tente ser perfeito, ninguém é perfeito. Isto, porém, não quer dizer que se tenha que reduzir à sua insignificância. Ninguém é insignificante. Só tem que se aceitar como é, o "segredo do amor" é amar as pessoas tal e qual elas são, sem exigir perfeições, e isto aplica-se ao amor que temos por nós próprios. Porque nos devemos amar. Se precisa de mais tempo do que julgava para aprender a guiar, que seja! Não vem mal nenhum ao mundo!

"Vivo com os meus pais porque não me vejo a viver longe deles. Protegem-me e protejo-os. É por amor e comodismo. É por amor e medo de sair da rotina."
Não lhe faria bem sair de casa, amigo Jota? Acha mesmo que os seus pais o protegem? De quê? Diga-me de que é que eles o protegem, gostava de saber!
O seu pai tem uma má doença e o problema é que o amigo não quer deixar a sua mãe sozinha com ele. Tem medo que ela o acuse de a ter deixado sozinha. Tem medo que ela não goste mais de si por a ter deixado sozinha. Ficará com um enorme sentimento de culpa. Mas pense no "segredo do amor": se a sua mãe realmente o ama, também o amará, apesar de a ter deixado sozinha. Devemos muito aos nossos pais, mas também temos a nossa vida.
Tem que pensar seriamente em si, amigo Jota. Isto não é egoísmo, temos todo o direito de pensar em nós próprios. Essa vida que leva é um inferno e tem todo o direito de ficar furioso e desesperado. Devemos muito aos nossos pais, mas há uma altura em que temos que levar a nossa vida. E eles, como pais, têm que compreender isso.

P.S. não tenho tido tempo para a Silveira, mas hei-de lá ir.