segunda-feira, 26 de julho de 2010

Livro para as férias

Estou quase a ir de férias. No meu caso ir de férias costuma ser um drama. Ter que sair da minha casa, enfrentar a viagem de comboio com as bagagens, o gato, as fita que o meu pai poderá fazer. É um stress.

Por outro lado, a nossa casa de férias é minúscula, vou estar em maior contacto com o meu pai e sujeito às suas traquinices que costumas ficar marcadas na pele e músculo. Terá que haver uma redefinição dos espaços. Toda essa adaptação leva tempo e tem o preço de mais nervos. Não poderei andar livremente pelos campos porque a minha mãe tem medo que alguém ou anima me faça mal.

Assim sendo, férias, férias seria se eu fizesse férias da minha família. Do trabalho poucas férias preciso, é mais da família, e isso não poderei ter naturalmente. Até me custa pensar na eventualidade de um dia viver sem eles. O que vai ser de mim?

As mudemos de assunto, pois o que me levou a escrever não é nada triste. No sábado passado comprei um livro que espero levar para ler nas férias. Tive muito sorte ou foi Deus que me encaminhou até ele.

Nos últimos tempos tenho adquirido alguma curiosidade pelo padre José Tolentino Mendonça. Um eminente teólogo, que também é poeta, escritor. Queria conhecer a sua poesia e por isso tinha o nome dele arquivado na minha memória para uma ida à Fanc. Estava a sair da secção dos livros quando dei de caras com o livro A Noite Abre Meus Olhos.



Este livro é a compilação num só livro dos primeiros livros de poesia dele. Um bolo com uma cereja no topo. De uma assentada fico com uma parte considerável da sua obra e com muita poesia espiritualmente inspirada. Para além de ser em formato de bolso, o que ma dá a garantia de poder levá-lo junto com a Bíblia, cadernos para escrever e livrinhos de orações.

A minha relação com a poesia é complicada. Tenho dificuldade em lê-la, porque por norma entendo pouco o que ela diz. Desde a escola que tenho essa dificuldade. Quando me pediam para analisar um poema era um custo. Convenci-me que sou muito linear nas interpretações que faço. Actualmente acho que o mal foi o sistema de ensino, o azar que tive em ter professores que não nos ensinaram a sermos criativos e imaginativos. A disciplina de Português devia ser dividida em duas partes: uma seria a técnica da língua e a outra a descoberta do prazer de ler. Ler poemas devia ser ocasião para os alunos aprenderem a usar a língua como veículo para a liberdade.

Foi preciso eu sair da escola para aprender a gostar de ler poemas e começar a escrever, tanto em verso como em prosa. Escrevi muita rima, não me atrevo a chamar poesia àquilo, como pode ser verificado na colónia deste reino. Escrevi por muito tempo para exorcizar as minhas tristezas, para passar da adolescência para o estado adulto. Agora raramente escrevo versos.

Voltando ao livro que pretendo ler nas férias, se tiver silêncio interior para tal. Quando regressava a casa depois de comprar o livro, li o primeiro poema e achei que o devia deixar aqui para vosso proveito.

A infância de Herberto Helder

No princípio era a ilha
embora se diga
o Espírito de Deus
abraçava as águas

Nesse tempo
estendia-me na terra
para olhar as estrelas
e não pensava
que esses corpos de fogo
pudessem ser perigosos

Nesse tempo
marcava a latitude das estrelas
ordenando berlindes
sobre a erva

Não sabia que todo o poema
é um túmulo
que pode abalar
a ordem do universo agora
acredito

Eu era quase um anjo
e escrevia relatórios
precisos
acerca do silêncio

Nesse tempo
ainda era possível
encontrar Deus
pelos baldios

Isso foi antes
de aprender a álgebra

6 comentários:

Canela disse...

Ainda que a mãe tenha medo, que alguém ou um animal lhe faça mal... acho que devia fazer os passeios que deseja!

E que tal dizer á mãe: "Mãezinha querida, vamos cortar o cordão umbilical?" - Em seguida dê-lhe um beijinho carinhoso e dê um passeio de pelo menos uns 30 minutos (comece por pouco... mas comece).

Boas férias!

jota disse...

Obrigado, Canela, vou tentar fazer isso.

Se ainda não foi de férias, desejo umas boas férias em paz e amor.

Canela disse...

Amigo Jota;

Não tente, FAÇA! Por si e pela sua familia. FAÇA!FAÇA!

Cristina Torrão disse...

Caro J, eu concordo com a Canela. Se a família lhe causa tanto stress, devia mesmo tirar umas férias dela. Mas se essa ideia o assusta tanto, faça a separação aos poucos. Fazer um passeio sozinho de vez em quando é já uma boa ideia.
Informe a sua mãe que em Portugal não há animais ferozes! É que não há mesmo! Ela não dá passeios sozinha? E já viu algum? Pergunte-lhe isso!

Obrigada pela sua visita ao meu blog!

jota disse...

Obrigado, Canela pela força.

Obrigado, Kássia pela visita.

O problema da minha família é que estão cada vez mais dependentes de mim. A doença do meu pai, demência, cansa muito, desgasta. Pela minha natureza eu seria incapaz de me afastar dos meus pais nesta situação.

Agora a jeito de graça, no interior de Lagos não há animais ferozes, mas há cães e muitos não gostam de pessoas que andam pelos caminhos. Para mais eu sou mais adepto de gatos :)

Cristina Torrão disse...

Bem, isso já é diferente, louvo-lhe mesmo a dedicação e desejo-lhe toda a sorte do mundo.
Eu, que tenho uma cadela, também não gosto de ver cães soltos na rua, sem alguém por perto a tomar conta deles, acima de tudo, a responsabilizar-se pelo seu comportamento. Mas isso, infelizmente, ainda é muito frequente em Portugal.