terça-feira, 13 de julho de 2010

Em casa de ferreiro espeto de pau

Nos últimos tempos estive a reler os três livros do Senhor dos Anéis. Na parte final do Regresso do Rei reparei num pormenor que me escapara antes. Várias vezes é referido que o povo do Shire não reconheceu o heroísmo do Frodo e do Sam. Eles iriam ter uma pequena participação no anais da história dos hobbits ao contrário do Merry e do Pippin, cuja acção no regresso da Guerra do Anel foi decisiva para repor a normalidade no Shire.

Para quem só viu os filmes, tenho que esclarecer que estes cortaram duas partes substanciais dos livros. Uma delas foi a que diz respeito ao que estou a escrever aqui. Nos livros Saruman não morre em Isengard, atirado da torre abaixo pelo Língua de Verme. Nos livros ele fica lá preso à guarda dos Ents, mas acaba por ir embora. Vai embora e dirige-se para o Shire. Subverte tudo lá e quando os quatro hobbits regressam encontram o Shire muito mudado e quase destruído. Os sequazes do Saruman impuseram uma ditadura e aquele lugar belo e pacato transformou-se numa zona industrial à semelhança do que ele fizera em Isengard. Árvores cortadas. Rios poluídos. Degradação e decadência.

Quando os quatro hobbits chegam e deparam-se com este cenário organizam uma sublevação. Quem comanda a rebelião são o Merry e o Pippin, um deles virá a ser o Barão do Shire mais tarde. O Frodo tanta resolver a situação sem violência, mas só consegue até certo ponto. A sua participação é discreta.

O peso do efeito maléfico do Anel deixou-o marcado para sempre. Regressar a casa não o curou. A sua missão já tinha sido cumprida. Dera tudo pela destruição do Anel, salvara milhares ou milhões de vidas, contribuíra para haver futuro, para que o Shire se mantivesse um sítio pacato, mesmo tendo sofrido aquela malfeitoria do Saruman. Todo o mundo tinha-lhe uma grande dívida de gratidão. Os reinos dos Homens, dos Anões e dos Elfos reconheciam os seus feitos e os dos outros três hobbits, mas na sua própria terra não. Pareceu-me injusto, mas vendo bem, o Shire já era assim antes. O Frodo deu a sua vida para que nada mudasse. Também foi por isso para decidiu partir e seguir os Elfos.
É aqui que se vê um dos aspectos cristãos desta saga. Dar a vida pela esperança de um futuro melhor. Não agir segundo os seus próprios interesses, mas por amor. Só por amor é que é possível dar a vida por todos. A passagem de Frodo e Sam pelas terras Mordor até ao cimo do Monte da Condenação parecem-se com os passos do Calvário. Jesus saiu de lá ressuscitando, Frodo saiu de diferente, mudado. O sofrimento, a crise, são o fogo de tempera o aço.

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