É assim que me sinto, num impasse, numa encruzilhada, algo do género que gera em mim vazio, apreensão e um montão de outros conceitos parecidos. Das minhas leituras d'Os Maias tenho a palavra, agora em desuso, blague, se é que alguma vez foi de uso corrente.
Tudo isto gera em mim cansaço. Mais metafísico do que material, mais espiritual do que psicológico, mas também psicológico. Sinto-me como que numa ressaca depois da euforia. Quando é que foi ela?
Esta encruzilhada afigura-se-me como aquele ponto onde muitos deixaram de ter fé. Onde muitos deixaram de ser não praticantes, para serem agnósticos ou sem religião. Sinto-me terrivelmente como Jesus terá se sentido (perdoem-me a comparação) perante o judaísmo. Vazio. Ritos vazios. O povo ama-Me com os lábios, mas não com o coração. Eu sou assim. As minhas orações, apesar dos meus esforços, são vãs e distraídas repetições, sobretudo o terço. São momentos de encontro familiar, mas também de viagem mental para o meu mundo, umas vezes povoados de histórias que vou desenvolvendo, outras de preocupações (doença dos meus pais, trabalho), mas também viagens pelo cantr ou hattick ou uma qualquer série que sigo.
Todo o esforço que faço para aprofundar a oração acaba por afundar-se na rotina, no vazio. Até mesmo a meia hora sagrada que faço todas as manhãs ao levantar começa a ser atacada pela minha mente delirante. Não consigo controlar os meus pensamentos. Não consigo concentrar-me. Nem as técnicas de relaxamento funcionam funcionam mais. O que me vale é ler todos os dias um capítulo da Bíblia e depois escrever um apontamento sobre ele.
Estou finalmente a sucumbir. É a doença do meu pai. Aí está uma causa próxima. Outra está na educação superprotectora dos meus pais, sobretudo da minha mãe. Não estou preparado para o mundo onde vivo. Sou comodista e egoísta. A situação na empresa é causa e começo a sentir no meu desempenho aquilo que muita gente fala das equipas de futebol: os problemas de balneário influenciam o rendimento dos jogadores. É muita pressão. Ter internet também não tem ajudado. Tenho menos tempo para aquilo que me faz mais feliz que é escrever na minha saga. Desde as férias devo ter escrito somente numas cinco ou seis noites e num fim-de-semana. Tenho medo de morrer e deixar aquilo incompleto. Não penso morrer tão cedo, mas nunca se sabe.
Neste momento tenho várias preocupações. Duas delas são do mais estúpido que pode haver: pedir o cartão de cidadão, porque em Dezembro o BI expira e saber se envio um postal e uma boneca para a minha afilhada da Helpo. Qualquer pessoa normal não veria problema nenhum nestes assuntos, mas eu não...
Tudo isto porque ando inquieto. Sinto que a minha relação com Deus está em crise. Todos o dias me pede aquilo que não quero dar. Há que ser realista. Eu podia participar nas actividades da paróquia. Ser voluntário na conferência vicentina. Quem sabe ser até acólito. Não sou porque não quero. Porque ponho outras coisas à frente disso. Porque não quero andar de noite, pois só de noite é que há as reuniões na paróquia. Porque não quero que a minha mãe fique preocupada. Se eu tivesse verdadeiramente fé, não teria medo. E o que mais eu tenho é medo. Medo da mudança. Medo de me doar e sofrer depois. Medo da rejeição. Medo do desprezo. Medo da humilhação.
O que vai ser de mim quando os meus pais morrerem? Vou estar absolutamente só. Serei aquele rico que foi ter com Jesus. Era cumpridor da lei, mas era muito rico. Eu estou cheio de tralhas. Não sou capaz de viver sem medo. Também, a bem da verdade, não sou capaz de viver sem Jesus na minha vida. Será mais uma rotina? Fará Ele parte de mim tal como os meus medos, as minhas preocupações, vícios e manias, tralhas?
Ouço falar de pessoas felizes mesmo no meio do sofrimento. Foram, são felizes apesar do sofrimento, porque tinham fé, porque viviam no amor, pelo amor de Deus. Como se faz isso?
A minha fé tem duas faces. Tenho fé porque quero ter. É uma vontade minha. Não suporto a ideia de não ter fé. Quero porque ela é parte daquilo que sou, explica-me, é o cenário onde existo. A outra face é o intelecto. Tenho fé até ao ponto em que intelectualmente chego. Tenho dificuldade em entender e reflectir na minha vivência a alegria cristã. A minha fé não me vem do coração e por não vir, talvez me sinta da forma com tenho descrito, já que sou emocional em quase tudo o resto.
Gostava de ter a fé de quem vai a pé a Fátima. De quem se emociona com o sofrimento alheio. De quem reza o terço sem sentir que está a fazer algo vazio de sentido.
Como posso amar a Deus com todas as minhas forças e todo o meu entendimento? Como posso amar o próximo como a mim mesmo, se nem gosto de mim?
Como posso traduzir estes mandamentos na minha vida diária?
Como posso amar quem me irrita?
O que é isso de amar? O que é?
Como é que a Palavra me pode alimentar se tudo o que leio é: abre-te aos outros? Entrega-te? Ama?
Será isto a noite escura de que falava São João Cruz? Não. Não me posso equiparar a algo tão elevado. Simplesmente é uma crise de fé. A encruzilhada por onde os descentes passaram e seguiram no sentido descendente. É aqui que o Purgatório partilha terrenos com o Inferno.
Este texto foi escrito no sábado passado à noite,
depois senti-me em paz
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